outubro 15, 2007

Ninguém merece o caldeirão na segunda época

Ele merecia ser roubado? Não, não merecia, assim como nós, milhões de brasileiros, também não merecemos. Mas também ninguém merece a capa da Época com um "pobre" Luciano Huck, vítima duas vezes, por ter perdido seu Rolex num assalto e por ter recebido várias críticas pelo seu "indignado" artigo na Folha de São Paulo, onde tenta "discutir" a questão da violência. "A reação fere o direito de igualdade", diz Roberto da Matta na matéria, classificando de neofascimo as críticas que vieram em seguida. Poupe-nos, caro antropólogo. A matéria também crucifixa Zeca Baleiro por ter dito que gostaria de ver um artigo dele tão indignado caso presenciasse uma chacina no Capão Redondo.Mas ela não se aprofunda, apesar de saber que o buraco já está bem abaixo do pé do fogão onde ferve o caldeirão do rapaz. Não li tudo que saiu criticando o menino que perdeu seu Rolex, mas as indignações mais inteligentes vieram de pessoas que não concordaram com a visão simplista, pobre, ingênua e superficial do garoto que sabia que sua morte seria manchete do Jornal Nacional. Do espaço desperdiçado, da voz que, pelo status de celebridade, poderia até ter alcançado a de um tenor, mas não passou de um gritinho desafinado e fora de contexto. De palavras que só fizeram cócegas no mesmo umbigo, sem nada a acrescentar.
No geral, talvez o que tivesse irritado a tantos é imaginar que a pessoa só veio a público falar -- e mal -- de uma panela de pressão que todo cidadão convive há um bom tempo no momento que lhe tiraram um presente da esposa, que poderia ter se tornado precocemente viúva. A questão não deveria ter ficado em volta do Rolex, o melhor seria que ele mesmo não tivesse alardeado o que lhe foi roubado. Eu entendo, por experiência própria, qual é a angústia que se passa quando alguém tem uma arma apontada para sua cabeça. Mas duvido que a violência seja uma novidade para o apresentador. Não se trata de um holandês que acabou de desembarcar no Galeão ou em Cumbica, ele deve ler jornal e assistir noticiários, deve ter atravessado alguma rua enquanto na outra estava em andamento a passeata pela paz, em nome do garoto João Hélio, possivelmente escutou algum relato de roubos e balas perdidas quando visitou o seu próprio Instituto Criar, ou seja, teve tempo suficiente para refletir e pensar em algo mais articulado -- inteligente que deve ser -- para "debater" a questão. Mas, não, a soma não fechou e ficamos sem um resultado que fizesse sentido.
E ainda ficamos de segunda época, como se nós, brasileiros, tívessemos lavado a alma por um mauricinho ter sido assaltado, por mais um Rolex ter sido roubado, e por ter sido feita uma "justiça social". Como se nós, cidadãos comuns, defendessemos a prisão dos que nos assaltam e houvesse uma identificação, positiva, com aqueles que tiram dos ricos. Se isso ocorreu, na extensão que é dita na matéria, eu não visto essa carapuça, não torci nem jamais torceria por qualquer tipo de violência, e não posso entender que tudo se resuma a esse raciocínio pobre e generalista.
A matéria se refere ao fato de que o artigo de Huck o tornou um porta-voz involuntário da classe mais privilegiada, o que virou um castigo diante da intolerância com que o assunto passou a ser tratado. Pode ser, mas o que me irrita é que trata de leve o fato de que no meio dessa reação houve senso crítico suficiente para identificar o falseado e o limitado do seu discurso. De todas as páginas da revista gastas de forma distorcida e maniqueísta o que sobrou está no pé do artigo da Ruth de Aquino que, mesmo morno, finaliza dando um recado para o moço que se um jornalista ou antropólogo escrevesse um texto tão pueril, superficial e auto-referente como o dele, sobre um assunto tão complexo, levaria pau do mesmo jeito. Triste consolo. E para os leitores de Época? Nada.O melhor é rememorar uma das boas críticas ao episódio no Todo Prosa.
Talvez a situação de Huck tivesse melhorado se ele tivesse estendido o assunto a outros problemas. A corrupção poderia ter sido um bom tópico. Ou mesmo a maracutaia que predomina por aí. Ele poderia ter mostrado seu horror a essas práticas no país, um bom artigo que, quem sabe, teria sido mais elaborado se escrito na tranqüilidade da pousada Maravilha, construída sobre o prédio ocupacional do Ibama, em Fernando de Noronha. Um arquipélago preservado onde os moradores levam muito tempo, anos até, para conseguir autorização para construir uma casa e muito mais tempo ainda quando se trata de estabelecimentos comerciais. Com certeza, como proprietário da pousada, ele teria direito a um luxuoso chalé para "pensar melhor" sobre o peso de suas palavras. E o caldeirão continua fervendo.

2 comentários:

Reiko Miura disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Reiko Miura disse...

Ôrra meu!! Você roubou todas as minhas palavras? Vasculhou minha mente sem me avisar?

E isso mesmo. A essa altura ele já tá com tanta raiva dos comentários, que já deve ter esquecido do motivo da indignação, ou seja, o roubo do relógio. Lembra até a estorinha do bode. Coloca o bode na sala que seus problemas mudam totalmente de foco.

Uma figura pública como ele devia ser melhor assessorado, ou seja, até nós, simples mortais, sabemos que de uma cabeça quente não sai nada que preste.