abril 10, 2011

abril 05, 2011

Irish coffee

Nunca pretendi que esse blog se convertesse em um diário. Mas percebo que o estou transformando em um caderno de viagens, o que o torna pouco atrativo para qualquer leitura, já que nem dicas ele traz. Sorry, mas hoje não vai ser diferente.

A Irlanda tem estado presente de várias formas nos últimos dias, um programa de viagens gastronômicas, noticiário sobre o aperto financeiro, filmes românticos, conversas aleatórias e a chegada da minha banda irlandesa preferida. Porisso resolvi escrever sobre a viagem que fiz aquele país em 2006 e que rotulo de, no mínimo, curiosa. Afinal, em que lugar eu desejei tanto ir e em menos de 24 horas pensava em pegar um táxi correndo para o aeroporto?

Cometi vários erros para chegar lá. Um deles foi ficar uma semana em Berlim antes de seguir para Dublin. Eu não imaginava que a comparação seria tão dura. Pode-se dizer que me esbaldei em Berlim. Percorri parques lindos naquele verão quente, com pessoas bonitas passeando ou tomando sol, fui a exposições, concertos ao ar livre, encontrei boa comida, boa cerveja, bons vinhos, muitas atividades culturais, e conheci pessoas interessantes, educadas, amáveis e cultas. De lá segui para uma cinzenta, chuvosa e caríssima Dublin.

Meu segundo erro foi reler nessa viagem Os Dublinenses, de James Joyce, um autor que adoro. Quem já leu os 15 contos dele sabe a forma brilhante, mas dura, que ele retrata o povo irlandês, sofrido, sem dúvida, mas de um catolicismo quase doentio, muitas vezes mesquinho, raso, e com uma falta de perspectiva asfixiante. Como os livros sempre me influenciam nas viagens, receei que esse espírito irish ainda estivesse presente, apesar de toda a modernidade que se atribuía a Dublin, do enriquecimento do país e dos bons frutos que dali vieram, Joyce inclusive, como tantos outros bons escritores, atores e músicos.

Logo de cara, enfrentei um emburrado irlandês na imigração que queria saber o que eu ia fazer lá. Turismo, talvez? Não, os brasileiros não fazem turismo na Irlanda. Não? Então o que ele achava que eu ia fazer? Trabalhar como senhora de programa? Ele só me deu o carimbo de entrada depois de ver minha passagem para Amsterdã, minha próxima parada.

Gelei ao pegar o táxi no aeroporto. Na minha última noite em Berlim havia sonhado que dirigia um carro debaixo de chuva e ao fazer uma curva nenhum controle me obedecia. Acho que, na verdade, era meu inconsciente me lembrando de que a direção naquele país é no lado contrário. E me adaptar a isso seria fundamental para fazer a viagem de Dublin a Cork, como havia programado com amigos que chegariam no dia seguinte de Londres. Socorro!

Meu terceiro erro foi a hospedagem. No verão, a Trinity College, uma das universidades mais antigas da Europa, aluga o alojamento dos estudantes. Era a opção mais barata e o campus fica no centro da cidade. Boa ideia, não? Péssima. Percorrer aquela área enorme à noite, cheia de árvores e iluminação fraca poderia se tornar um pesadelo. A alternativa era contornar o campus do lado de fora, pela calçada, um longo caminho onde a iluminação era igualmente fraca e você corria todos os riscos que o Frommers quase implora para evitar naquela cidade.

Resolvi sair naquele final de tarde de domingo. Depois de várias caras fechadas, povo que esbarra em você e não pede desculpas, joga caixa do McDonalds na ponte cartão postal, cheguei ao Temple Bar, enfim um bairro para chamar de meu. Mas o preço quase proibitivo de uma Guiness naqueles pubs não deixa ninguém chegar ao nirvana para achar tudo lindo e festivo. Nem esquecer a floresta da Bruxa de Blair da volta.

No dia seguinte, depois da "boa notícia" de que meus amigos perderam o voo, saí para mais uma volta pela cidade. Durante o dia, as coisas ficaram melhores. Há um belo parque bem no centro, uma área toda modernizada, com boas galerias e restaurantes e pessoas mais educadas. Resolvi respirar, de alguma forma, U2. Almocei no Nude, que pertencia ao irmão de Bono, e tomei café no Clarence Hotel, pertencente ao Bono e The Edge. Um luxo, inclusive no preço.

Mas nas poucas conversas daquele dia, muita prevenção aos estrangeiros que sempre querem tirar alguma coisa deles. Principalmente os do leste europeu, que eram recrutados pelo governo para fazerem o trabalho pesado, e sujo, que os novo ricos irlandeses não queriam mais fazer. A exceção, claro, ficava com o adorado "povo da América". Ali tive certeza de que estava cruzando as pessoas erradas.

No terceiro dia tudo melhorou com a chegada dos meus amigos. Apesar da insistente chuva, percorremos vários pontos turísticos mantendo o bom humor e comprando comida e bebida nos supermercados para economizarmos. E, claro, casacos com capuz.

A nossa saída motorizada de Dublin foi catastrófica. Em cada cruzamento muitos gritos e histeria dentro do carro e palavrões intraduzíveis lá fora. Pegar a estrada trouxe um certo alívio, apesar dos momentos de tensão quando qualquer carro se aproximava. Não é nada fácil passar a marcha com a mão esquerda, imagine então entrar do lado certo da rua e estacionar. De suar em bicas.

Viajar pela Irlanda foi uma experiência incrível, paisagens diversas no caminho, mar, rios, lagos, castelos, ruínas celtas, cabras no meio da estrada, cidades pequenas e de ruas estreitíssimas mas sempre com mão dupla. Tudo como imaginava nos livros e filmes.

Em Kilkenny nós acreditamos piamente que encontramos a irmã do leprechaun, o duende que cuida dos tesouros irlandeses. Acho que era ela mesma, disfarçada de dona de pousada. Cobh é uma cidade lindíssima, mas seu turismo está todo voltado para o fato de ter sido o último porto onde o Titanic parou. Ou seja, antes de afundar. Eu prefereria dizer que foi ali que Leornado Di Caprio subiu a bordo. Em Cork, uma bela surpresa. Ali estava muito da Dublin que eu havia projetado, uma cidade colorida, música nas ruas, povo alegre e hospitaleiro.

Ao voltar para Dublin (de ônibus, já que nem morta levaria o carro sozinha depois de meus amigos terem retornado a Londres), decidi que era hora de mudar de escola. E fui para a Dublin City University, não tão central quanto a Trinity, mas com muito mais vida e menos perigo. A diferença era gritante já no mercado próximo onde fui comprar coisas para fazer um lanche. Na área de convivência, no prédio central, um batalhão de jovens entusiasmados, brincalhões, divertidos. Alguns estavam super excitados porque em dois dias veriam o Pearl Jam na Arena O2. E queriam saber como foi o show deles que eu havia visto no ano anterior, no Pacaembu. Essa foi minha última e agradável noite em Dublin.

É bem provável que todos os sentimentos contraditórios que Dublin me causou estivessem em mim. Como encontrar alguém que mexe com você mas que, no final, a chance de conhecer melhor é desperdiçada. Quem sabe eu deva voltar, esquecendo Joyce, esquecendo o espírito irlandês, e encontrando a minha turma logo de cara. Quem sabe...