dezembro 29, 2010

É o 11...

Sem dúvida, dezembro está sendo uma boa despedida de um bom ano. Apesar de alguns cristais quebrados no caminho, mesmo que valiosos por terem sido lapidados na era paleolítica, o saldo é altamente positivo. Um ano para lá de interessante e bem vivido. Além do mais, só de ver o alto astral da pequena Maitê, tão amada, já vale por tudo.
E para encerrar 2010 o revigorante ar frio e a energizante areia quente deram suas contribuições. Resoluções de ano-novo estão quase prontas. E são muito boas e ousadas.
Um ótimo 2011 para todos. E que o Nibiru comece a desviar sua rota para nos poupar em 2012. Cometas, só do bem.
Tim tim....



















O infalável

Eu conheci um israelense que morou tempo suficiente no Brasil para se casar com uma brasileira e ter um filho. Mas, por conta do trabalho, se mudou para Dallas, onde vive até hoje. Por conta disso, seu filho convive com o inglês de seus amiguinhos, mas também com o hebraico e com o português que seus pais fazem questão de falar em casa. Para agravar, sua babá é mexicana e não deixa de lhe ensinar algumas palavras em espanhol.

A dúvida do pai era qual língua o garoto consideraria a sua. Para responder a isso, ele foi aconselhado a esperar que o menino começasse a fazer contas. "Ninguém consegue fazer contas senão na sua própria língua", lhe disse um amigo.

Estou contando essa história porque ao criar um blog, eu achei que falaria de tudo que tivesse vontade, sem tabus. No entanto, me dei conta de que isso não é verdade, há alguns assuntos que não consigo sequer tocar. Ou um único. E, de repente, descubro que isso acontece porque talvez, nesse caso, eu sinta em outra língua que não a minha, quem sabe polonês, grego, ou até javanês. Qualquer uma que eu não tenha vocabulário suficiente, ou nenhum, para me expressar.

Talvez porque tenha achado que tivesse colocado todas as minhas forças na tecla del. Mas, de uma forma ou de outra, tenha descoberto que não apaguei nada. Sim, memória afetiva tem poder e distribui bordoadas. Assim como elas nos presenteia com a redescoberta, a intimidade, o prazer, a paixão, o para sempre, ela traz gravada a desconfiança, o descontrole, a incompetência e a impossibilidade.

Talvez porque eu,inocentemente, tenha achado que pudesse continuar sonhando sob a luz difusa do abajur. Mas, no fundo, sabia que a hora que os holofotes fossem ligados, e mostrassem a histórica repetição de erros, não haveria muito mais o que fazer a não ser correr. Run, Lola, run...

Og allt vegna þess að þú hafir ekki trúa á þig, en ekki trúa mér. Ég get bara sjá eftir því og aftur að reyna að gleyma.

É ou não é difícil sentir em outra língua?

I won´t back down

Um clássico de Tom Petty and The Heartbreakers, com participação de George Harrison e Ringo Starr.

dezembro 04, 2010

Em boa companhia

Já aviso que esse é um post longo, assim quem não tem tempo a perder nem vá adiante. E vai começar contando que eu também gosto de viajar sozinha. Tem algumas desvantagens, mas tem muitas coisas prazeirosas. E que são meio óbvias. Como a maior parte do tempo a minha companhia são os meus pensamentos, tenho de tratá-los de forma mais adequada e intensa. E ainda há a chance de conhecer mais pessoas do que quando viajo acompanhada, afinal alguém sozinho aparenta fragilidade e quem observa não se sente tão intimidado de começar um bate-papo pois está livre do risco de uma rejeição, e de piadas, de um grupo. E a sensação de que vai atrapalhar é bem menor. Foi assim em todas as viagens que fiz desacompanhada, refleti mais sobre minha vida, tomei decisões importantes e ainda conheci pessoas interessantes, muitos meus amigos até hoje.

Menos dessa última vez, quando fui para a Patagônia argentina. E só fui perceber meio tarde que, na verdade, não fui sozinha. Voluntariamente, deixei Isabel entrar na minha viagem. E ela trouxe sua barulhenta, engraçada e dramática trupe. Só isso já ocupou boa parte do meu tempo, conhecer cada um deles e entender como suas vidas se transformaram nos últimos anos. Era fácil perceber a força da chefe do clã que, apesar de todos os problemas -- e não foram poucos nem pequenos -- manteve uma determinação ímpar de seguir em frente, guiada pelos seus sentimentos, pela sabedoria de lidar com o inesperado, pela magia, pela força da família e das amizades, por muita reza das Irmãs da Perpétua Desordem, pelo lúdico e um tiquinho pela razão.

Ela tem uma observação aguçada, alimenta sua memória com várias anotações e cartas trocadas com sua mãe, muita sensibilidade, bom humor e uma capacidade que parece inesgotável de se meter na vida dos outros, na tentativa de ajudá-los à sua maneira. A ponto de seu filho esconder a sete chaves sua certidão de nascimento para que ela não tenha acesso ao horário exato do seu nascimento, um dado que já não lembra mais, e mande fazer seu mapa astrológico com seu guru predileto.

Ela tomou tanto do meu tempo que mal percebi a armadilha que caí em El Chaltén e só fui entender que teria uma caminhada de nove horas pela frente quando o carro que nos levou até um ponto X do Parque Nacional Los Glaciares foi embora. E lá fui eu maldizendo a menina da agência que não entendeu o que eu quis dizer com "caminhadas lights", delirando com o guia sobre planos de montar uma agência de turismo patagônico que conteria apenas roteiros gastronômicos e passeios de helicópteros, e ainda me recusando a parar nos últimos miradores para tirar fotos já que havia um longo caminho pela frente e não poderíamos deixar a natureza nos distrair. Claro que acabei o trajeto completamente esgotada, sem conseguir dar um passo sequer e impossibilitada até de vencer o forte vento, ao lado de um guia que oscilava entre rir muito do meu estado ou ficar chocado com meus projetos mirabolantes.

Voltei para El Calafate, novamente absorvida por Isabel. E por Willie, Celia, Nico, Ernesto, Lorie, Sally, Tabra, e tantos outros que entravam e saíam a toa hora, de uma forma alucinante principalmente para mim que estava com os pensamentos no mesmo ritmo dos passos que dava no caminho que contornava o imponente Fitz Roy, um de cada vez. Mas não havia como não me envolver novamente, Isabel é uma exímia contadora de histórias, o que dava a impressão de que eu já conhecia todos eles há muito tempo. Me identifiquei muitas vezes, desejei ter a sua força, me emocionei, não pude esconder as lágrimas, dei muitas risadas, e, principalmente, não queria mais que eles fossem embora.

Mas eles foram justamente na véspera da minha visita ao Perito Moreno, o que me deixou ainda mais sensível e reflexiva. A visita ao glaciar foi mágica. Se eu não acreditasse no divino, ali eu passaria a acreditar. Nem preciso detalhar, muito já foi dito sobre aquilo, mas a força com que a natureza cria aquela montanha de gelo, como a empurra para a terra e depois provoca a ruptura, é de deixar qualquer um encantado. E cada vez mais consciente de tudo aquilo que deixamos de lado no dia-a-dia, a nossa insignificância, a temporalidade, e a importância de sabermos que o universo toma conta. E o próprio glaciar se encarrega de nos lembrar com o barulho imenso que faz cada vez que um bloco de gelo se descola dele. Os sons da Patagônia, aliás, nunca mais esquecerei.

Naquele mesmo dia fui jantar com um belga que conheci na visita ao Perito Moreno. Um cara muito interessante, engraçado, e um pouquinho mais vaidoso do que a cota normal de cada um. A conversa foi ótima, mas teve momentos que foram um pouco dificultados pelo fato de que minhas brincadeiras, se já não são lá essas coisas em português, em um inglês patagônico ficam completamente sem sentido. E nem todo o Malbec me ajudou a explicar para ele o que é uma planta dormideira. Será que na Bélgica não há plantas que dormem quando você canta, dorme, dorme, dormideira, para acordar na quarta-feira? Estranha Bélgica.

De volta ao hotel, ainda inebriada pelo vinho e pela força dos glaciares, desabei. E não apenas fisicamente, como era esperado. Meu emocional estava tão abalado quanto meus pés cansados. O que não saía da minha cabeça era a relação de Isabel e Willie. Trata-se do segundo casamento dela e o terceiro dele. Já estão juntos há muitos anos mas se tratam como recém casados, o que inclui dúvidas e devaneios. Mas contam com cumplicidade e companheirismos invejáveis. Teoricamente, já não precisam provar nada um ao outro, mas o fazem diariamente.

Por coincidência, o meu hotel estava tomado de casais bem mais velhos, o que dito por mim significa uma faixa mais adiantada mesmo. Como Isabel e Willie. E isso me tocou profundamente. Provavelmente eram casais que já passaram por inúmeras provações e continuavam juntos, alguns de mãos dadas, o que era lindo de ver, apesar de outros que mal conversavam, o que causava estranheza. Mas todos eles têm um passado juntos, envelheceram ao lado um do outro e, muito possivelmente, morrerão próximos.

Depois da morte do meu pai, com minha mãe ficando sozinha, eu havia esquecido como é isso. Se bem que, mesmo se não fosse isso, eles pertencem a uma época em que a envelhescência junta não incluía viagens à Patagônia. Tenho casais amigos que vivem relacionamentos mais ou menos definidos, alguns mais outros menos. Mas que, nos dias de hoje, não estão imunes a reviravoltas, infelizmente. Poderão visitar El Calafate daqui a muitos anos juntinhos, mas ainda correm o risco de que isso não aconteça. Claro que há os que possuem relacionamentos que você pode dizer que já poderiam marcar suas passagens, mas talvez só agora eu perceba essa diferença.

Aquilo tudo, na verdade, estava mexendo com coisas importantes dentro de mim. Eu invejei aquelas pessoas pela sobrevivência "do estar juntos". Isso é uma vitória a ser comemorada, não há dúvidas. Quantos projetam isso, mas quantos realmente conseguem? Eu já vivi muitos e muitos momentos como aqueles, amei muito e sei que fui muito amada, e talvez ainda seja, mas nada daquilo chegou comigo até a Patagônia.

E o pior é saber que, a essa altura, qualquer relacionamento que se inicia é, na verdade, um relacionamento que se inicia. Vai demorar muito para que um conheça tão bem o outro a ponto de saber quando é preciso deixá-lo sozinho, qual é o timing para ficar o lado, identificar uma frase inteira em apenas um olhar, segurar na mão porque sabe de sua emoção diante de um glaciar ou até lembrar que está na hora de tomar o remédio.

Bom, por conta da Internet esse momento melancólico não ficou apenas na Argentina e incomodou um thanksgiving na Califórnia, regado a tequila e tortilla mexicana. E o telefonema que recebi em seguida teve uma força restauradora. E nem foi o fato de a pessoa do outro lado tentar me dizer que eu poderia estar sensibilizada por aparências e não pela felicidade em si. Nem que minha liberdade de escolher o que quero e posso fazer pode valer ouro para muitos que se sentem aprisionados. Ou até que sou muito amada. Não, nada disso me convenceu. O que me devolveu a esperança do "estar junto", independente da forma, foi simplesmente a voz. Forte, segura e tão amada que conseguiu se sobrepor ao fato de que, naquele momento, faltava o toque. Guardadas as devidas proporções, era quase como ouvir de novo o grito do Perito Moreno. E me lembrava que há conexões na vida que não têm preço e estarão sempre com você. Mesmo que apenas no seu coração.

Ai, ai,, ai, Fitz

Essa foto do post é do Cerro Fitz Roy, mas não é minha. Ele passa a maior parte do ano coberto pelas nuvens, é muito difícil um dia que está totalmente visível. E, por incrível que pareça, ao sair de um restaurante eu consegui bater uma foto dele limpinho, limpinho. Ainda não baixei, uma hora coloco aqui. E isso foi na véspera de percorrer o estressante Sendero Fitz Roy onde me senti conectada, não exatamente no bom sentido, a todos os ossos e músculos das minhas pernas. Precisava?

Isabel

Quem quiser viajar com a Isabel, o caminho é "A Soma dos Dias". Em Buenos Aires, além de reencontrar rapidamente meu amigo belga, minha companhia também foi o sarcástico Tony, em "Em busca do prato perfeito".

Walking after you

O que mais poderia ser? Walking, walking...Foo Fighters