agosto 15, 2009

Festival HH

Por mais que Hal Hartley não me ame, eu o adoro. Chego a imaginar um final de tarde em um café em Berlim, quando alguém me pediria emprestado o isqueiro. E a conversa que se seguiria poderia ser algo estranha para dois desconhecidos. Em meio a piadas e ironias, poderíamos ter uma profunda discussão filosófica sobre o café, a vida, o andar do cara lá fora ou como as relações humanas podem ser simples, se não forem complicadas. Ou ainda como a rapidez de julgamento pode ser uma arma. E, no final, descobriria que ele estava, na verdade, na esquina de sua casa.
Bom, tudo isso para contar que, cansada de procurar os filmes de Hal Harley nas locadoras, me rendi aos torrents. E fiz meu próprio festival Hal Hartley. Foram seis filmes seguidos, todos brilhantes. Trust, Flirt, Amateur, Simple Men, Surviving desire e The book of life. Todos com o alter ego de HH, Martin Donovan, com quem compartilho a admiração e, no meu caso, a paixão.
De todos, Amateur é o meu preferido. Donovan, desmemoriado, é um deslumbre. Consegue passar em um só personagem, a delicadeza de um anjo recém caído e a vaga lembrança de um gangster do mundo da pornografia. E Isabelle Hupert perfeita no papel de uma ex-freira que se considera ninfomaníaca, sobrevive escrevendo contos pornográficos e acredita que Deus tem uma grande missão que ela deve cumprir. Uma ligação improvável, mas no relacionamento deles há mais confiança e entrega do que muitas que vemos por aí.
Mas a maior delícia foi assistir, pela primeira vez, The book of life, de 98. Jesus (Donovan, again, tudo) tem seu retorno no dia 31 de dezembro de 1999, em Nova York, com a missão de dar um fim a esse mundo e abrir os sete selos. Sua companheira é Madalena, muito bem vivida por P.J.Harvey. Poderia ser melhor? A cena que ela canta To sir with Love, com um som externo avesso é maravilhosa. Sem contar Yo la tengo como os cantadores do Exército da Salvação.
Mas Jesus tem dúvidas. Não sabe ainda se concorda com a política exclusivista de seu pai de que apenas 144 mil justos sobreviverão (Hal, poderia ter atualizado o número, não?). E daí para frente, são diálogos surpreendentes, bem ao estilo HH, em um ritmo frenético, onde até o diabo e os advogados ajudam a compor um clima de negociação para o apocalipse. E o gestual perfeito (trabalhar com Hartley é fazer parte de uma coreografia, disse uma vez Donovan). Com imagens necessárias e bem desenhadas, ótimo roteiro e boa música. Tudo que eu poderia querer de uma mente brilhante.
Amei meu festival Hal Hartley. E recomendo.

Próximos passos
O primeiro final de semana da lei anti-fumo foi patético. Conversas animadas nas calçadas dos bares, com as pessoas se conhecendo e, principalmente, falando mal do vampiro, predominaram. E não fumantes, muitas vezes sozinhos em suas mesas, desconfiando de que estão perdendo algo lá fora. No entanto, imagino que o autoritarismo não seja suficiente e há mais sede de sangue. O próximo passo, com certeza, deverá ser uma nova regulamentação que exigirá que as pessoas fumem em silêncio, mesmo na sarjeta. Sem olhar do lado. E que, no final, engulam seus cigarros para não sujarem a cidade. A escola Chávez está onde menos estamos discutindo.

Mia
Tem viagens que podem, ou não, se concretizar. Mas ler Mia Couto é uma com passagem garantida. Frases que te surpreendem no meio de contos líricos. “Mais que o dia seguinte, eu esperava pela vida seguinte”. “ E um pobre não sonha tudo, nem sonha depressa”. “Diz que a tarde cai. Diz-se que noite também cai. Mas eu encontro ao contrário: a manhã é que cai. Por um cansaço de luz, um suicídio de sombra.”. “Há mulheres que querem que o seu homem seja o sol. O meu quero-o nuvem. Há mulheres que falam na voz de seu homem. O meu, que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios”. "A aranha ateia diz ao aranho na teia: o nosso amor está por um fio"."De que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem?". "De que vale acordar se o que vivo é menos do que sonhei". Dá para ler e não se apaixonar?

China Girl
Mais uma vez em homenagem ao HH, China Girl, by David Bowie. Pode não ser a melhor para Miho Nakaidoh, sua mulher. Mas é sempre bom ouvir.

22 comentários:

... disse...

Veremos o HH e depois falaremos, mesmo entre os fumantes e não, falaremos.
Exigir que os tais não conversem é demais, mas pedi-los para um bom asseio, isso não é demais. Afinal cheiram desagradavelmente, não falemos dos dentes e ponta dos dedos, isso, das partes visíveis.
Como será internamente? Pensemos no espírito.

... disse...

...primeiros dizemos bom dia, depois perguntamos como estão as pessoas ( para mim não há a necessidade dessa pergunta estou sempre bem, muito bem) depois falemos "abrobinhas" e finalmente nos despedimos. ∆ßs&ßjs∞ Pat.

Anônimo disse...
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Roney Maurício disse...

Ei dona gatona,
achou que eu não voltaria? rss

Putz, como sou ignorante: não conheço nenhum dos dois, HH e Mia, ainda que tenha a impressão de já ter assistido um dos filmes citados...

Compartilho da avaliação da lei troglodita baixada aí em Sampa mas, tudo indica, não será exclusividade dos paulistinhas. Aqui e no Rio foram votadas leis semelhantes. Mas, em Berlim, não tem, não?

Continuo gostando muito do que você escreve. E de você, claro!

A1 disse...

Patty, o primeiro filme dele que eu vi foi Confiança. Bom pra caramba.

Sobre o vampiro não há o que dizer. Autoritarismo é o nome do cara. E o Kassarmário vai ajudar nessa coisa logo, logo.

Vou ler Mia Couto rapidinho.

E Bowie é Bowie, sempre.

Bjs

Nicolau disse...

Li Mia Couto emprestado pela Ana K. Uma baita experiência. Que universo fantástico o dele.

Beijos

Anônimo disse...
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peri s.c. disse...

1. HH, a se conhecer.

2. Os fumantes foram eleitos para o desrecalque de nossa classe média ( grupo sabidamente sem vícios ou costumes reprováveis ) que não suporta cheiro de cigarros mas não se incomoda com o cheiro dos escapamentos de suas Pajeros e outras SUVs de 6 cilindros.

Marcio Gaspar disse...

o vampiroserra é um puta cara chato, azedo e mal-humorado. e gostei do zé simão: 'pare de fumar e fique com aquela cara de saúde do serra e do drauzio varella!'. quanto à mia couto, espetacular. e tb não conheço o HH, infelizmente... ah! e bowie forever!!

Pedro disse...

Festival HH? Patti, você fez foi um festival Martin Donovan. Não sei o que você ve nesse cara, parece uma estátua.

Sobre o vampiro, não há o que falar. E gostei da observação da escola Chavez, vero.

Lerei Mia, com certeza.

Beijos

Patty Diphusa disse...

Fernando

Espero que vc ainda goste de Amateur, pelo menos um pouco.
Sobre os fumantes, não posso imaginar que além do apartheid do vampiro, que é físico, ainda tenhamos outro, de espírito. Nem passa essa idéia pela minha cabeça.

O legal dessa abordagem é o conteúdo das abobrinhas. Tem conteúdos e conteúdos. rs.

Bjs

Patty Diphusa disse...

RM

Tudo bem? Quanto tempo.

É, a praga se espalha como rastilho de pólvora...coisa ruim pega logo, infelizmente.

Bom te ver

Bjs

Patty Diphusa disse...

A1

Confiança é muito bom também. Adoro a cena do naive, boa demais.

bjs

Patty Diphusa disse...

Nicolau

Sem dúvida, um universo fantástico. E que ele trata com maestria. Queria ter aquele talento com as palavras. Mas querer é...só querer. rs

bjs

Patty Diphusa disse...

Peri

Concordo 100%. Mas ainda prefiro não fumantes que tem algum tipo de vício. Porque o que não tem nenhum, sai de perto, ô coisa chata. É isso, viciado na chatice.

Bjs

Patty Diphusa disse...

Marcio

É, aquela cara de saúde dos dois me dá um medo. Cruzes. Agora, do vampiro vc esqueceu uma coisa que acho a pior de todas, o autoritarismo. É impressionante.

Bjs

Patty Diphusa disse...

Pedro

No comments.

Beijos

... disse...

verei o Amateur, depois falaremos.
Sobre os chaminés, a questão do espírito é clara.
Pense.
√c no uso plena de seu raciocínio, cortaria um pedaço pequeno de um dos vinte dedos que vc. tem?
Um pedacinho só, várias vezes por dia, e ainda pagaria alguns centavos por isso?
Claro que é uma coisa espiritual, espírito de porco, no mínimo. Por isso não tenho bronca nenhuma de fumante, fico com pena, só isso. São inseguros, e com bastante dúvidas do que é o certo e o errado, do que é o melhor para sua vida..
ßjs ∞

Patty Diphusa disse...

Mas, Fernando, a vida e as pessoas não cabem em conceitos pré-estabelecidos. Muito menos uma atitude que serve para um é a mesma para outro. Não somos todos iguais, graças a Deus.
A verdadeira arte está em entender e tolerar aquilo que o outro faz e não afeta ninguém, a não ser ele mesmo.


Bjs

... disse...

Claríssimo, é isso mesmo. Quero ter os meus 20 dedos inteiros. Quem não quiser tenhos, o problema é deles, não meu, Não são conceitos pre-estabelecidos, são naturais, a auto preservação.
Quando falo de espírito, é o mesmo que induz as pessoas ao suícidio, só que em doses homeopáticas.
Querem fumar? Sem problemas, longe.
Falemos de músicas, deixa isso prá lá.
ßjs∞

BL disse...

Tenho um amigo que é muito fã do Hal Hartley. Mas ele é beeem cinéfilo.

Vou adotar o seu apartheid do vampiro, é bem isso, o cara é das trevas. Arrepios.

Bjocas

Patty Diphusa disse...

É, BL, HH é uma coisa meio cult. Não é de grandes bilheterias.

Bjs