abril 20, 2008

O Efeito Borboleta

Não eram nem seis e meia e Maria Amélia já estava em casa. Ela achou que dava tempo de mexer nas suas plantas antes de tomar um banho para ir ao aniversário da prima Maria Ângela. Uma hora depois tinha se arrependido até o último fio de cabelo. E o telefone ainda toca. Na corrida para atender, esbarrou em um vaso na murada que caiu sem dó nem piedade do 9º andar onde morava. “Xiiii, acho que atingiu aquele cacto horrível que a síndica colocou no pátio”. Telefone, banho, uma nova olhada no pátio, várias pessoas, conversas altas. “Ai, está tendo churrasco, melhor deixar para depois”.
Na saída da garagem ninguém na portaria para comentar do vaso. Estranho. Na volta, como o churrasco rendeu, pensou. Deu até polícia. Alguns vizinhos na rua, gentilmente, apontavam seu carro para que os policiais dessem passagem. O sargento Gomes lhe disse que tinha uma ordem para apurar “indícios” no seu apartamento. Como assim? Aos poucos, ela descobre que seu vaso atingiu fatalmente um morador do sétimo andar que estava no pátio. Maria Amélia se desespera, leva os policiais ao seu apartamento, repete exaustivamente o que aconteceu mas, no meio da madrugada, começa a duvidar que eles estivessem prestando atenção. Foi para a delegacia, deu depoimento e, na saída, três fotógrafos a esperavam. Foi assim que começou a saga de Maria Amélia que, para a imprensa, começou a ser chamada de assassina da samambaia.
-- Como assim, Heitor, eu tinha um caso com a vítima? Eu mal o conhecia.
Heitor, primo, amigo, irmão, camarada.
-- É a suposição do delegado e a imprensa parece que vai apostar. O zelador disse que vira e mexe via, pelo circuito interno, vocês conversando no elevador.
-- Isso foi uma ou duas vezes e falamos do aumento exagerado do condomínio.
-- Bom, como a mulher dele está grávida já concluíram que você se enfureceu quando soube e jogou o vaso de samambaia nele.
-- Avenca, Heitor, avenca.
-- Whatever, querida. A questão é que a coisa está ficando feia.
-- Eles imaginam que eu fiz de propósito? E, mesmo que fosse, que tenho essa pontaria?
-- Olha, Amelinha, melhor acionar o dr Salomão logo. E fica longe do noticiário.
Novos depoimentos foram pedidos, ela voltou mais três vezes à delegacia e, na saída, o número de fotógrafos aumentava.
-- Maria Amélia,que enrosco você arranjou dessa vez?
-- Mãe, eu só estava mexendo nas plantas.
-- Minha filha, você nunca gostou de samambaia.
-- Era avenca, mãe, avenca.
-- Ai, daquela muda que a tia Matilda te deu com tanto gosto?
O telefone não parava de tocar, imprensa, amigos, parentes. Ela não sabia mais o que fazer.
-- Eles estão pensando em te indiciar.
-- Me indiciar, dr. Salomão? Eles estão loucos, foi um acidente. Como poderia ser algo premeditado eu tentar acertar um vaso do nono andar na cabeça de alguém?
--É, mas o promotor disse que se houve a intenção a lei é clara mesmo que a probabilidade de acerto seja pequena. E o depoimento da vizinha de baixo foi horrível para a gente, ela diz que havia muito barulho no seu apartamento à noite, que era bem provável que você recebesse visita. Eu ainda aleguei que os vídeos do prédio não mostravam ninguém subindo para seu apartamento, mas eles acreditam que o vizinho ia pela escada todas as noites depois que a esposa dormia.
-- Todas as noites? O senhor viu minha pele, dr. Salomão? Parece a pele de alguém que faz sexo todas as noites?
-- Bom, não posso dar minha opinião sobre isso.E tem também uma tal de Vivian que estava na festa da sua prima e deu um depoimento voluntário dizendo que você estava super nervosa e não parava de olhar o relógio.E ainda tem um colega de infância dizendo que você jogava bem basquete no colégio
-- E o que tem o cu a ver com a cesta?
-- Dona Maria Amélia, o que é isso? Eu sei lá, acho que para dizer quais eram as suas chances de acertar. E a imprensa está impiedosa.
-- Mas eles não aprenderam nada?
-- Nossa senhora, agora que acham que tinha razão naquele caso escabroso de alguns anos atrás, você sabe qual é, estão enlouquecidos.
-- Quer dizer que nunca vão aprender?
-- Olha, nós continuamos alegando que foi um acidente.
Maria Amélia foi obrigada a aceitar uma licença compulsória no hospital onde trabalhava como chefe da enfermagem na pediatria. A conquista desse cargo meses antes lhe valeu outro depoimento, do que foi preterido na vaga e disse que ela costumava ser violenta com os pacientes.
-- Na Ana Maria Braga?
-- Você veja só como são as pessoas. Eu não esperava isso da sua prima Maria Helena. E espero que ela não conte dos pontos que levou na testa quando você a empurrou na parede daquela vez que brigaram.
-- Mãe, eu tinha sete anos.
-- Que seja, filha. Mas agora com essa história da samambaia.
-- AVENCA, MÃE, AVENCA.
-- Você está ficando meio descontrolada, filha, é melhor tomar um chá de erva cidreira.
Ela achava que as coisas não podiam piorar. Ledo engano.
-- Esquema de corrupção no governo, Heitor?
-- É, a polícia só foi fazer algumas perguntas para o cara que trabalhava com seu vizinho. E ele entregou tudo. O cara parece que comandava uma maracutaia grande no Ministério dos Transportes, tem conta no exterior e tudo.
-- E morava no meu prédio?
-- Vai saber. E o mesmo cara disse que viu você algumas vezes com ele no escritório.
-- Meu Deus, onde fica esse escritório?
-- Parece que é em uma casa em frente aquele viveiro do lado do Ibirapuera, sabe qual é?
-- Ai não, viveiro não, é demais.
Por ter diploma universitário, Maria Amélia teve direito a uma cela especial quando recebeu a ordem de prisão preventiva. Ela descobriu que especial mesmo era a cela do lado, da Stefanie, namorada de um traficante, com direito a TV de LCD. A Polícia Federal, desconfiada de que o ataque da samambaia pode ter sido uma queima de arquivo, queria nomes dos envolvidos.
-- Dona Maria Amélia, a vizinha do lado disse que escutava quase todas as noites a voz de um homem rouco, que falava como se estivesse bêbado. Ela não conseguia entender o que diziam porque parece que ele não era brasileiro e vocês sempre colocavam música de fundo para disfarçar. A senhora pode nos dizer quem era esse contato?
-- Homem rouco? De noite? Meu Deus, era o Tom Waits.
-- A senhora pode nos dizer onde podemos achá-lo?
A imprensa deitou e rolou com os desdobramentos políticos do caso da assassina da samambaia e até o cargo do presidente da República ficou ameaçado.
-- Sabe garota, eu não entendo a cagada que você fez com esse presidente que é dos nossos. Se ainda fosse aquele barbudinho de antes você podia jogar a samambaia que quisesse.
-- Avenca, Stefanie, avenca.
Com todo o escândalo e sem dar nomes, o caso de Maria Amélia foi julgado sem dó nem piedade.
Era a quinta vez que Heitor a visitava no presídio feminino e a encontrava com o uniforme todo sujo enquanto os das demais presidiárias estavam sempre limpos. Foi reclamar com a direção.
-- Mas nós damos um limpo para ela. Só que ela joga tudo que encontra na frente nele, até pó de tijolo ela tira da parede para tingir o uniforme.
-- Porque ela faria isso?
-- As colegas dizem que é porque o uniforme é verde. Parece que ela odeia verde.


Verde
Eu, como não odeio verde, não fiquei nem um pouco tristinha hoje. Mesmo com todo amor que tenho por vários são paulinos, sorry. Agora, força na Libertadores.


Troller
Serviço blog de utilidade pública diz que nosso amigo Ricardo Soares teve seu Troller roubado. A placa é BEZ 2255 e o carro é verde escuro.Não custa prestar mais atenção nos Trollers na rua, quem sabe alguém o encontra. Pode ligar para o 190 e, de preferência, dar um toque no blog dele que é o Todo Prosa.


Procurado
Nada melhor do que o próprio Tom Waits, ainda procurado pela PF, cantando Downtown Train, do excelente Rain Dogs que eu tenho em vinil.

17 comentários:

Ricardo Soares disse...

gracias difusérrima... vc é uma gracinha! solidariedade assim realmente eu sequer esperava... já perdi as esperanças de achar o jipão mas isso muito me sensibilza... aliás seu post todo está um barato... beijão, boa semana

Roney Maurício disse...

Aiai (não, né Aiaiai não), eu que estou com borboleta na barriga, de tanto rir...

Inspirada heim, gatona dos olhos?

Anônimo disse...

- Oi, tá lá?... (xhsusrklafod) Oi?... Conseguem me ouvir?... (xhsusklafod)Pô, tá péssima essa ligação! Alô?... Sou eu, o vizinho do sétimo! A vítima!

- Estou ligando do outro mundo só para dizer que eu andava a ser ameaçado de morte e que por isso tenho a certeza que o meu assassínio foi planejado.

- (xhsusklafod)

- Se foi a Amélia?... Alguém foi, né?...

- (xhsusklafod)

- Desculpem, não entendi. E tô com muita dor de cabeça, como calculam.
Bye! Deus não gosta muito que a gente gaste em telefone e reclama sempre das contas. Tchau!

Vee disse...

Avião!

Amélia! Vivian!
Soa tão familiar para para mim!!!
Risos.

Volto depois, pra dizer coisa com coisa, mas Patty, me adianto, está show de bola este post!

Beijos!

Anônimo disse...

Pattiiiii

DEZ, DEZ !!!! Muito bom. Com sua ironia fina e seu jeito doce mostrou como a vida da gente pode virar pelo avesso quando menos se espera. E ainda aprendi hoje o que é o efeito borboleta. Valeu.

Agora, palmeirense, gata? Faz isso não.


Eu entendo o que está sentindo seu amigo Ricardo. Não é a mesma coisa que roubar um Gol, um Vectra, ou outro carro. Quem tem jipão é porque gosta muito e o carro vira a sua cara. Estou de olho nos Trollers.


Esse cara perseguido pela PF é tudo de bom. Vc tem o vinil, é? Quero ver.


Beijos e mais beijos

A que está escrita. disse...

Patty, que delícia! Para mim, claro, que não fui vítima do efeito borboleta como a pobre Maria Amélia.
Adorei o texto!!!
E estou de olho nos trollers!

Anônimo disse...

Gostei.

Data Vênia disse...

Show este post!

Nos faz refletir muito!

Abs,

DV (de volta de verdade!)

Eliza Lynch disse...

Eu me lembro de uma samambaia no seu apartamento...

Anônimo disse...

excelente post, patty, tirando o comentário futebolístico... já fui vítima de um vaso caído - tahnks god, não em cima de mim, mas do meu carro estacionado embaixo - afundou o teto!

Anônimo disse...

Patty, que saudadeeeeees. E vc preparou essa história deliciosa só para minha volta, não? Nós rimos muito aqui na firma. Se ferrou a coitada.

Só fiquei pensando uma coisa, a tal Maria Amélia continuou morando no mesmo prédio? Com a vizinha grávida furiosa? Se bem que com a grana que ela botou a mão,né.

Não podia nunquinha imaginar que Patty Diphusa fosse palmeirense. Nunquinha. Mulher de tão bom gosto, credo.

Não quero desanimar seu amigo não, mas esse Troller deve estar longe, longe. Mas vou olhar para as minhas bandas, tem muito marginal por aqui.

Esse cara parece mesmo que está bebado. E vc viu que o vizinho dele também está puto, imagino o da moça. kkkkkkkkkk


Inté

Anônimo disse...

Lorde, morreu de saudades de mim, hem. Então aproveita e me explica o que é esse efeito borboleta.

Anônimo disse...

Oi Kriko, bom ter vc de volta.

Tem a lenda do efeito borboleta, de que se uma borboleta bate asas aqui pode causar um tufão em algum lugar. Tem o sério, que é parte da teoria do caos. Uns malucos ficam fazendo marcações dos movimentos caóticos e os gráficos ficam parecendo borboletas.

Mas, para mim, a história da Maria Amélia é a melhor ilustração. É isso, começa pequeno e vira um monstro.

Deu para entender?

Bjs

Anônimo disse...

Entendi muito bem, professor Lorde. E acabei de entender que tem efeito borboleta no meu cartão de crédito.

Obrigada

Patty Diphusa disse...

Oies

Ricardo, tks. Adorei o gracinha. rs. Sabe, quando meu carro foi roubado, eu meio que torci para não ser achado. É uma coisa meio esóterica, sabe, não queria conviver com a energia daqueles caras que o levaram. Acho que no caso de jipão deve ser meio diferente.

Roney, gostei do borboletas na barriga. Em geral elas são outra coisa, mas acho que valem para risada também.

xhsusrklafod.. Mr Almost...xhsusrklafod.. então era vc?... o que? ah, tá.

Amélie, que bom ter vc de volta. Sabe que o RM até achou que vc tinha participação nesse post. Vai ser mineirim desconfiado assim...haha

Pedro, tks, tks...E não liga não, vc sabe que mulher não entende de futebol, não é? E o foragido é tudibão mesmo...

Paloma, super obrigado, vindo de vc que tem um textos deliciosos, é muito bom.

DV, é pra voltar mesmo, hem. Vc ameaça e some de novo. Sentimos sua falta.

Avenca, Eliza, avenca...provocadora nata essa moça.

Marcinho, no carro? Sorte não? Eu conheço um casal que teve azar com isso, caiu um lustre do motel no carro deles. E deu tanta merda depois disso.

Anônimo, obrigado. Da próxima vez, pode se apresentar, se quiser. Pelo menos com um pseudônimo que eu possa identificá-lo(a) outras vezes.

Kriko, bom ter vc de volta também. Como foram as férias? Olha, a Maria Amélia teve de morar com o primo, até o faxineiro jogava o jornal na porta do ap dela quando ia entregar.

O Pedro foi bom professor, é? O efeito borboleta do cartão de crédito eu vou adotar, tá.

Bjs para todos

Reiko Miura disse...

Patty, agora deu merda! Tô com muito medo! Além desse cara rouco que eu nem sabia que era procurado pela polícia, tem um outro que frequenta minha casa, sempre à noite, um tal de Eddi. Será que ele também é procurado? Achei que tinha visto o dito cujo sentado em cima de um jipão na capa do disco Into The Wild. Daí pensei: Só falta ele ter roubado o Troller do Ricardo. Fui conferir e vi, aliviada, que é um ônibus velho. Ufa!

Patty Diphusa disse...

hahahahaha, que alívio...Esse cara dessa voz eu adoraria ter em casa todas as noites. Com ou sem avenca.


Bjs