(previously, leia Isto Não é Para Você -- VI em Por uma Second Life Menos Ordinária)
-- O que te fez ficar?
Marcelo sentiu a provocação. Sabia que se caísse nada mais o tiraria daquele lodo. Teria de admitir sua fraqueza, escancarar o fato de que não havia um controle sequer que funcionasse em perfeita ordem quando estava perto dela. Não, era melhor ainda ter uma área de escape, por mais frágil que ela fosse. Por mais que a noite o desmentisse.
-- Esse cappucino foi o mais parecido que eu achei com o do Vergnano.
Ele não podia escolher uma forma melhor de desarmá-la. Todas as tardes que eles passaram por aquele café na Charing Cross, quando ela não cansava de dizer como gostava daquele lugar, quase com uma alegria infantil. E ele trazia aquela leveza de volta, como se fosse possível voltar no tempo. Sim, ela tinha consciência do quanto tinha feito aquele homem sofrer. Mas também sabia que pagou um preço muito alto por isso e que, agora, de nada adiantaria cobrar essa conta. Eles estavam tristemente empatados. Ela não conseguiu conter as lágrimas.
-- Não, Olívia, por favor. Não chore.
-- O que fizemos com as nossas vidas?
-- Nós seguimos em frente. Não era isso que tinha de ser feito?
Olívia sabia que nenhum dos dois podia falar, com certeza, que tinham seguido em frente.
Ela se lembrou do casamento dele com Helena. Ninguém esperava que ela comparecesse. Logo após ter deixado a clínica, ela foi para Salvador, onde passou dois meses morando com amigos. Mas fez questão de voltar para a cerimônia. Precisava ter certeza de que aquilo, realmente, estava acontecendo.
Sua mãe tentou impedi-la de entrar na festa, alegando que Helena não se sentiria bem. Seu pai defendeu sua presença com o argumento quase piegas de que se os noivos tinham escolhido esse caminho teriam de conviver com todos os que faziam parte daquela família. E Olívia fazia parte. Era engraçado imaginar que isso era algo que precisasse ser lembrado para aquela mulher que a criou como sendo sua mãe. Mas era necessário lembrar inclusive para ela mesma.
Marcelo empalideceu quando a viu. Quando seus olhos se cruzaram, tudo pareceu ter parado em volta. Não havia mais som, não havia mais pessoas falando, não havia mais crianças brincando. Eram só os dois. Olívia tinha a impressão de que se estendesse sua mão ele a seguiria. Por um momento, imaginou o que seria aquilo. Mas, por mais raiva que sentisse da traição da irmã, não conseguia lhe desejar tamanho constrangimento em sua própria festa de casamento. Ela reuniu todas as forças que ainda possuía e foi até aos noivos cumprimentá-los. Completamente destruída e querendo que um avião caísse naquele lugar, mas foi.
Helena não conseguiu dizer uma palavra sequer e Olívia podia sentir o ódio dela pulsando nas veias. Principalmente pelo fato de que, pelo menos uma vez na vida, ela havia conseguido simular o papel da personagem perfeita que ela tinha representado tão bem durante todos aqueles anos. E, uma vez na vida, ela conseguiu que ela ficasse nua, exposta em toda a sua ardileza. Sem alarde e sem que ninguém mais precisasses ficar sabendo. Só as duas.
(acompanhe o próximo em Mimeógrafo Digital)
setembro 18, 2007
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Um comentário:
Odeio Helena! Odeio Helena! :-.0
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