(previsouly, leia Isto não é para você - XIII em Mimeógrafo Digital )
-- Porra !
A garconete apenas deu um olhar indiferente, como se estivesse acostumada a ouvir expressões tão particulares de seus clientes que não valeria a pena saber do que se tratava. Mas Eduardo precisava daquilo. Ele precisava ofender em português, suspirar em português, amar em português. Há quanto tempo não falava seu próprio idioma. Ele estava se amaldiçoando por estar naquela falsidade do saguão do Concorde, que procurava simular o glamour dos grandes hotéis europeus, como se pudesse lhes tirar o DNA por insistência.
A mulher da mesa ao lado tentava ser discreta em suas insinuações mas as tantas vezes que jogou seu cabelo de um lado para o outro eram reveladoras. Eduardo aprendeu com o tempo que exercia um certo fascínio mas não acreditava ser possível que algo de interessante pudesse surgir dessas situações. Mas também tinha consciência do quanto ele mudou nos últimos anos, com as camisetas de bandas de rock sendo substituídas por modelos de grifes alternativas, os cabelos que permaneceram na linha dos ombros, nunca menos que isso, mas muito melhor tratados, a barba quase sempre por fazer, mas nunca desalinhadas. Apesar da estatura média, seus olhos azuis sobre a pela morena faziam com que se destacasse. Mas tudo isso era superficial para ele, exceto o fato de que, agora, tinha sucumbido a tudo que havia renegado nos últimos anos, decidir algo pelo dinheiro e não pelo prazer do que fazia.
Eduardo sabia que era preciso ir embora. Andarilho, já tinha passado temporadas em vários lugares do mundo, mas nunca tinha sentido que estivesse tão longe das coisas que apreciava. Isso sem falar de suas raízes, cada vez mais enterradas em espaço desconhecido. Aquele lugar o oprimia, era como se existisse uma grande barreira, de difícil travessia, que o impedisse de ver o outro lado. E a cada momento que se lembrava de onde gostaria de estar, podia visualizar esse muro marcando bem a distância.
Paul demorava a chegar. Ele tinha sido o grande responsável por convencer Eduardo a assumir o cargo de DJ principal de uma das maiores casas noturnas de Dubai. Aliás, ele sempre esteve presente em todos os momentos de viradas na vida dele, incentivando-o, propondo-lhe novos caminhos. Era como se fosse um bote salva-vidas à mão quando precisasse.
Eduardo ainda não tinha conversado com ninguém sobre sua vontade de largar tudo. Muito menos com Nicole. Ela estava estranha, cada dia mais diferente daquela companheira de tantas aventuras. E não era algo tão distante assim,a alegria com que os dois pegavam ondas em Maui, a chegada ao Atacama, as tardes sonolentas em Trancoso, a transa no final da tarde em Kapari. Tantas lembranças que o prendiam, irremediavelmente, a ela.
Eduardo sabia também que não havia muito o que reclamar. Com 32 anos recém completados, já tinha conquistado muito mais do que tinha imaginado. Só não ficou rico, mas esse nem era seu plano. Quando deixou São Paulo, sabia que sua alegria estaria em duas coisas, na música e na possibilidade de viver ao sabor do vento. O que não esperava era que elas se conjugassem e pudesse armazenar em algum lugar o que precisava para, logo em seguida, desfrutar em outro. Era um nômade.
Agora, se sentia preso a uma armadilha. Estava em uma cidade em permanente construção enquanto sentia falta de percorrer caminhos conhecidos, reconhecidos e saboreados. Não seria ele um piloto de testes para ser seguido por uma série de imitações bem feitas e compradas. Mas Nicole dava mostras de que estava muito bem adaptada, que seria bom acumular, ter patrimônios , vínculos. Quando a conheceu, em San Diego, Eduardo tinha certeza de que ela jamais seguiria o padrão de sua família. Mas, agora, tinha dúvidas. Mesmo com a certeza de que viveria ao lado dela até o fim, seja lá qual fosse o fim, não conseguia reunir coragem suficiente para confessar a sua insatisfação com o que ela começava a considerar um mundo perfeito.
Leia o próximo em Por uma Second Life menos ordinária
setembro 21, 2007
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Um comentário:
como posso encontrar un renegado , killer de verdade no sl?
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